domingo, 13 de abril de 2014

GIL VICENTE - HUMANISMO - TEXTO : ROMAGEM DOS AGRAVADOS


HUMANISMO- GIL VICENTE
leitura obrigatória para o prise 1 / prosel 1
UEPA 2014

organizador do material 
material consultado Prof. Aurismar Queiroz
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HUMANISMO- O INÍCIO DE UMA NOVA VISÃO DE MUNDO



No Humanismo, o que veremos é o abandono de uma postura inteiramente servil aos ditames da Igreja Católica. A valorização dos estudos clássicos faz com que o homem passe a se importar cada vez mais com uma postura racional.

TEOCENTRISMO                 ANTROPOCENTRISMO

O teocentrismo medieval é substituído pela valorização do homem, pelo reconhecimento de suas potencialidades, pela crença em sua capacidade de controlar o próprio destino. Com o Renascimento, essa valorização do homem acaba por construir uma visão de mundo antropocêntrica.


Ø  Período de transição da cultura medieval para a cultura clássica;
Ø  A economia de subsistência feudal é substituída pelas atividades comerciais;
Ø  A expansão marítima propicia o desenvolvimento do comércio- surge o mercantilismo;
Ø  O homem adquire nova consciência: vai deixando de ser passivo e começa a crer que ele é o responsável pelo próprio destino;
Ø  Teocentrismo dá lugar ao antropocentrismo.

Foi nessa época que surgiu uma nova classe social: a burguesia. Os burgueses não eram nem servos e nem comerciantes. Com o aparecimento desta nova classe social foram aparecendo as cidades e muitos homens que moravam no campo se mudaram para morar nestas cidades, como consequência o regime feudal de servidão desapareceu.

Gil Vicente- Teatro medieval
Gil Vicente é considerado o pai do teatro português, tendo produzido sua obra entre os séculos XV e XVI, na transição entre a idade média e o renascimento.   Ele começa a colocar o popular em seus textos, apresentando a cultura portuguesa nos palcos.

O teatro foi a manifestação literária onde ficavam mais claras as características desse período.
Gil Vicente foi o nome que mais se destacou, ele escreveu mais de 40 peças.
Sua obra pode ser dividida em 2 blocos:

Autos: peças teatrais cujo assunto principal é a religião.
  “Auto da alma” e “Trilogia das barcas” são alguns   exemplos.

Farsas: peças cômicas curtas. Enredo baseado no cotidiano.
  “Farsa de Inês Pereira”, “Farsa do velho da horta”, “Quem tem farelos?” são alguns exemplos.


Características gerais do teatro vicentino

Caráter popular- representa os vários tipos humanos, a linguagem é rica e variada de acordo com a origem e posição das personagens.


Crítica à sociedade da época. Mostra os erros e vaidades dos vários tipos humanos; censura a hipocrisia dos padres que não fazem o que pregam; denuncia os exploradores do povo.








AUTO DA ROMAGEM DE AGRAVADOS- GIL VICENTE

Definição de Auto (latim: actu = ação, ato) é uma composição teatral1 do subgênero da literatura dramática, surgida na Idade Média, na Espanha, por volta do século XII. De linguagem simples, os autos, em sua maioria, têm elementos cômicos e intenção moralizadora. Suas personagens simbolizam as virtudes, os pecados, ou representam anjos, demônios e santos. Personagens essas consideradas personagens tipos.

Características principais dos autos:

·          Linguagem simples;
·          Elementos cômicos e moralizantes;
·          Personagens tipos (simbolizam as virtudes, os pecados, ou representam anjos, demônios e santos);
·          Visava satirizar pessoas
·          Moral como elemento principal (decisivo).

Romagem de Agravados- resumo
Peça de circunstância- Foi representada com o intuito de celebrar o nascimento do Infante D. Filipe, no dia 25 de Maio de 1533.
Esta obra, em que cada uma das cenas é tratada de forma satírica, tem por tema a peregrinação dos descontentes.
Todos os indivíduos intervenientes sentem-se lesados e queixam-se de algo. Existe, no entanto, uma personagem, que tem como função dirigir o jogo, de seu nome Frei Paço, e que representa o eclesiástico de corte.

As demais personagens apresentam-se aos pares:
·          João Mortinheira e Bastião, seu filho (camponeses);
·          Bereniso e Colopêndio (fidalgos apaixonados);
·          Marta do Prado e Branca do Rego (regateiras);
·          Cerro Ventoso e Frei Narciso (dois ambiciosos);
·          Aparicianes e sua filha Giradela (camponeses),
·          Domicília e Dorosia (freiras) 
·          Hilária e Juliana (pastoras).

Análise da obra
A peça tem como tema uma peregrinação de  descontentes que desmascara a corrupção e a vaidade, a ambição e a leviandade. Romaria de romeiros agravados, onde "alguns se agravam de abastados".
Já desde o parlamento inicial de Frei paço, este faz uma apresentação da obra e de si próprio num tom irônico que, proporciona a chave satírica da Romagem.

  O auto que ora vereis  se chama irmãos amados Romagem dos Agravados inda que alguns achareis que se agravam de abastados.”        45
Na Romagem de agravados , quinze interlocutores, como são designados no auto, dialogam com Frei Paço, o apresentador do prólogo, sobre seus agravos pessoais, na opinião do frade, geralmente infundados. João Mortinheira queixa-se de Deus. Homem  rústico está descontente com Deus que sempre manda chuvas e sol em horas erradas, destruindo suas colheitas. Quer fazer do filho um padre para que este não sofra tanto:
"Que chove quando não quero, / e faz um sol das estrelas, / quando chuva alguma espero".

Os diálogos são bem articulados, e há um nexo natural entre as cenas.
Os romeiros se sucedem diante de Frei Paço e com ele dialogam (desfilando sobre a verdade). Lembro que o frade entra em cena ridiculamente vestido:

 "com seu hábito e capelo, e gorra de veludo, e luvas, e espada dourada, fazendo meneios de muito doce cortesão"

 É uma personagem-síntese da confusão de valores. É dúbia, de identidade duvidosa, feliz na sua maneira de parecer. De posse dessa fórmula de bem viver, o frade manifesta-se satisfeito com sua pessoa, enquanto a tônica das queixas dos agravados é um coro de inconformismo. O frade sugere:

 "faze o que te eu disser: / conforma-te c'o que Deus quer, / e do siso faze espelho"

e o vilão retruca:

"Conforme-se ele comigo / er também no que é rezão"

  Os dois fidalgos enamorados reclamam de amores mal correspondidos, mas são apegados ao sofrimento a ponto de Colepêndio dizer:

"ando tão fora do eixo, / que eu mesmo busco e quero / os males de que me queixo", o que leva ao comentário do frade: "se isso assi conheceis, / que vós per vós vos matais, / culpados, a quem culpais? / Mortos, que vida quereis, / ou de que vos agravais?" 21 

As regateiras Branca do Rego e Marta do Prado arengam por causa do casamento de uma sobrinha e pouco se importam com as intervenções de Frei Paço de quem troçam, chamando-o de 'Frei Cigarra', 'mano frei trogalho', 'padre, frei chocalho', 'frei bolorento'.
Anunciam a aproximação de Frei Narciso, um frade contrariado por não ter sido feito bispo, e Cerro Ventoso que se queixa do Paço a que se dedicou como escravo e só tem de renda quatro mil cruzados (uma soma considerável na época), ele que gostaria de ser conde.

Vêm, também, duas freiras "[...] queixosas e agravadas, / porque as fazem encerradas, / e viver em observância" 22 .

 Finalmente, as pastoras Ilária e Juliana queixam-se de que as querem casar à força:

"Eu não sei por que respeito / nossas mães e nossos pais / nos trazem maridos tais, / tanto contra nosso jeito, / que os diabos não são mais" 23 .

Desta vez o conselho é do vilão:
"Casai iaramá com siso, / e daí ao demo a feição, / que se seca logo isso. / E quem casa com aviso / acha em casa a descrição" 24 .

    Frei Paço dá a palavra final:
"Agravos que não têm cura procurai de os esquecer; qu'impossível é vencer batalha contra ventura, quem ventura não tiver".
 Anuncia que a Rainha teve um filho e que todos devem cantar em homenagem ao menino, dom Felipe.
GV130. Branca e Marta
Mor Gonçalves,
Tão mal que m'encarcelastes
Nos Paços d'ElRei,
E na camara da Rainha,
Du bailava ElRei,
E con Dona Catherina,
Mor Gonçalves,
E tão mal que m'encarcelastes.
(canta Jorge Teles)

GV131. Todos
Por Maio era por Maio
Ocho dias por andar,
El Ifante Don Felipe
Nació en Evora ciudad.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las aguas del mar.

El Ifante Don Felipe
Nació en Evora ciudad,
No nació en noche escura,
Ni tanpoco por lunar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las ondas del mar.

No nació en noche escura
Ni tanpoco por lunar,
Nació cuando el sol decrina
Sus rayos sobre la mar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las aguas del mar.

Nació cuando el sol decrina
Sus rayos sobre la mar,
En un dia de domingo,
Domingo para notar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las ondas del mar.

En un dia de domingo,
Domingo para notar,
Cuando las aves cantaban
Cada una su cantar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como la tierra y la mar.

Cuando las aves cantaban
Cada una su cantar,
Cuando los árboles verdes
Sus fructos quieren pintar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las aguas del mar.

Cuando los árboles verdes
Sus fructos quieren pintar
Alumbró Dios á la Reina
Con su fructo natural.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las aguas del mar.
(cantam Graciano Santos, Rubem Ferreira Jr e Kátia Santos)


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Comentários
Aqui temos um Gil Vicente num de seus mais característicos momentos: o fazer desfilar figuras típicas de seu tempo. Deve ser esta a peça que mais apresenta peculiaridades sobre a sociedade daquela época.
Exploração social, oportunismos, falsidades, a possibilidade de ascensão para mulheres jovens e bonitas, casamentos organizados pelas famílias. Nalguns aspectos Gil Vicente, sem nenhum mérito, é claro, é atualíssimo. Aliás, ressalte-se que algumas renvindicações já existiam naquele tempo: a liberdade de escolher marido e o excessivo rigor do claustro.

             Como sempre, as críticas a práticas daninhas à sociedade, aparecem claras e contundentes. Quando as tias da moça enganada explicam como o noivo da sobrinha as enganou, enumeram pessoas do palácio que davam, sem o conhecimento do rei, documentos falsos, para indicar que o portador gozava de benefícios como uma pensão real.
             A cena do exercício de comportamento palaciano entre a Moça e o Frei Paço é inesquecível. O texto específico da canção final indica que a mesma, com certeza, foi feita pelo autor.


ANÁLISE DETALHADA DE ASPECTOS IMPORTANTES


ROMAGEM DOS AGRAVADOS  


Apresentada no ano de 1933, ao já então rei de Portugal, D. João III, quando do nascimento de seu filho o infante D. Felipe, a obra pertence à terceira fase do teatro vicentino. 

  • CLASSIFICAÇÃO DA OBRA: farsa de caráter satírico, apesar de aparecer no livro das Tragicomédias. Romagem dos agravados significa romaria dos ofendidos. A fala inicial de Frei Paço é a chave da sátira da Romagem. 
  • PERSONAGENS: Frei Paço, João Mortinheira e Bastião seu filho, Bereniso e Colopêndio fidalgos, Marta do Prado e Branca do Rego regateiras, Cerro Ventoso, Frei Narciso, Aparício Eanes e sua filha Giralda, Domicília e Dorosia freiras, Hilária e Juliana pastoras.
características na peça: 
  • As personagens como tipos prefigurados e já conhecidos do público (lavradoras, pastoras, freiras, freires, fidalgos, regateiras ...);
  • A acumulação de casos que dão corpo as personagens;
  • as personagens desfilam a moda de procissão dando ao título da peça uma nova dimensão expressiva;
  • As personagens que se incorporam à cena são apresentadas por outra já conhecida (Frei Paço) 
  • O nome das personagem tem uma carga expressiva que descreve de antemão o caráter da personagem, e/ou a verdade ou falsidade de seu agravo (sua ofensa), com é o caso de "Dorósia", que lembra "dor". 
  • Frei Paço funciona como elemento motor da obra. Sempre anunciando a próxima personagem e dialogando com elas. Ele faz a fala inicial apresentando a peça. 
Observe: 
"O auto que ora vereis
se chama irmãos amados
Romagem dos Agravados
inda que alguns achareis
que se agravam de abastados. 45

E pera declaração
desta obra santa et cetra
quisera dizer quem são
as figuras que virão
por se entender bem a letra". 50

A estrutura da obra está assentada na repetição e numa considerável simetria, mas introduzem elementos de variação, como o fato de diferentes personagens alternarem com Frei Paço a apresentação de novas figuras.
Outra característica observada na peça é a caracterização das personagens através da linguagem.
  • Apraciantes: lavrador que fala bem;
  • Maria do Prado e Branca Rego: linguagem cheia de desvios para mostrar sua classe social baixa. 
  • Uso de linguagens especiais no diálogo de Frei Paço com Bastian e Giralda e a canção que encerra a peça. 
"Frei Paço  Ó senhora que matais
                 a todos quantos feris 810
                 e a ninguém perdoais.
Giralda    Quam docemente mentis
                  todos quantos bem falais."

  • Os jogos com os duplos sentidos das palavras e expressões, postos na boca de personagens dentistas, como elemento satírico.        
Veja aqui, onde Cerro Venturoso faz um trocadilho entre Paço, nome do Frei, e paço que também significa castelo real, ao fazer comparação entre Frei Paço e São Gerônimo.

"Mas vós padre sois do Paço
e sam Jerónimo do ermo
e nam dobrais vosso braço
açoutando o espinhaço 635
nem trazeis o peito enfermo".

OS TEMAS DA CRÍTICA

Além da construção satírica a obra estrutura-se em três planos fundamentais: a crítica ao estamento (divisão) clerical; a crítica ao estamento nobiliar (entre os nobres) e a crítica de costumes sociais. Ponto comum entre os planos é o rejeitamento de um comportamento ético firmado na ambição desmedida e torpe, personificada em tipos que são ridicularizados pelo autor. O próprio Frei Paço que dirige as críticas as demais personagens reflete em si todos os vícios. 

  • CRÍTICA AO ESTAMENTO CLERICAL: Crítica à Igreja
- A figura de Frei Narcisio representa: ambição social, falta de vocação espiritual, a relaxação dos membros da igreja: Frei Narcísio galanteia a freira Dorosia.

                              
"Dorosia          Deo gracias padre Narciso.
Frei Narciso  Pera sempre aleluia.
Dorosia         Pois is nesta romaria 890
                      assi Deos vos dê o paraíso
                     que vamos em companhia.

Frei Narciso  Iria mui ledo em cabo
                     milhor que pera o mosteiro
                     mas o amor é tam ligeiro 895
                    que o dai vós ao diabo
                    e temo seu cativeiro.

Dorosia        Iremos padre rezando
                      sempre de noite e de dia.
Frei Narciso Já disse que folgaria 900
                    mas temo de ir sospirando

                    mais vezes do que eu queria"

Frei Narcisio faz críticas ao sistema de provisão de cargos de autoridades dentro da igreja. 

"Frei Narciso  Já fizessem-me ora bispo
                      siquer do ilhéu de Peniche 605
                      pois sam frade pera isso.

Que, sem saber ler nem rezar,
vi eu já bispos que pasmo
e nam sei conjecturar
como se pode assentar 610
mítara em cabeça de asno".

Frei Narcísio representa também a hipocrisia, pois ao mesmo tempo que galanteia a freira, repreende o desejo de liberdade de Dorósia e Domicília, recomendando-lhes se submeteram ao regime de observância do mosteiro. 

  •  A CRÍTICA AO ESTAMENTO DA NOBREZA
- Personagens típicas: Colopêndio e Berenisio representam atitudes corteses já ultrapassadas, os tópicos do namorado sofredor e da crueldade da dama por sua não correspondência amorosa. São utilizadas hiperboles (exageros) e estilo pastoril. 
Veja. 



"Porque tais carreiras sigo
e com tal dita naci 215
nesta vida em que nam vivo
que eu cuido que estou comigo
eu ando fora de mi.

Quando falo estou calado
quando estou entonces ando 220
quando ando estou quedado
quando durmo estou acordado
quando acordo estou sonhando.

Quando chamo entam respondo
quando choro entonces rio 225
quando me queimo hei frio
quando me mostro me escondo
quando espero desconfio.

Nam sei se sei o que digo
que cousa certa nam acerto 230
se fujo de meu perigo
cada vez estou mais perto
de ter mor guerra comigo."

Por seu lado, Cerro Ventoso representa a ambição ao dinheiro e a dignidade nobiliar. 

  • Estamentos mais populares (lavradeiras, regateiras, pastoras) serve para o autor oferecer uma perspectiva de numerosos fenômenos sociais:
a) A percepção utilitarista da religião, como J. Mortinheira quer que seu filho, sem nenhum talento, se torne uma membro da igreja visando a ascensão social. 
b) O anticlericalismo e a crítica aos poderosos. 

"Branca   Eles são os presidentes 470
               e os mesmos requerentes
               e se lhes dizeis que é mal
               tornam a culpa ao sinal
              e eles fazem-se inacentes".

c) As tentativas de ascensão social por parte das classes baixas, Giralda e Bastian representam isso. 

d) Os casamentos acertados e a questão do livre alvedrio (livre-arbítrio). Hilária e Juliana renegam os maridos que as suas famílias procuram para elas, pela sua vez apaixonados por outros pretendentes.  

Hilária O meu Silvestre anda morto
           porque me querem casar 940
           com o filho de Pero Torto.
Juliana E o meu Brás quer-se enforcar
            porque me casam no Porto.

Hilária Silvestre há de fazer
           um desatino de si. 945
Juliana E Brás há de endoudecer
           pois Deos nam há de querer
           que eu nada faça de mi.

Hilária Juliana que faremos?
Juliana Bofé Hilária nam sei. 950
Hilária Sabes mana que eu farei?
Juliana Dize rogo-to e veremos.
Hilária Escuta que eu to direi...

           Direi que andando a de parte
           com o meu gado em Alqueidão 955
            me apareceu uma visão
            que me disse: moça guar-te
             de chegares a barão.

E assi me escusarei
deste negro casamento 960
e depois andando o tempo
outra visão acharei
que case a contentamento.

Juliana Eu direi que um escolar
           me tirou o nacimento 965
           e disse: o teu casamento
           se no Porto hás de casar
           amara vida te sento.

            Ca serás demoninhada
            esses dias que viveres. 970
Hilária Quê? Co essa emborilhada
            ficarás desabafada
            casarás com quem quiseres.

Juliana A fortuna todavia
           nos tem que farte agravadas 975
           andemos nossas jornadas
           cheguemos à romaria
           e seremos descansadas. 

A questão do livre arbítrio, já implícita no problema do casamento, atinge as freiras Dorósia e Domicília, reclusas no convento contra a  própria vontade. Essa questão se completa no diálogo entre Frei Paço e Marta do Rego sobre a determinação. Frei paço assume a postura determinista nos planos sociais, Marta Rego, a de antideterminista. 
           Veja esse trecho interessante:

"Frei Paço             Porque os casamentos 500
                todos são porque hão de ser    
                e com quem, desde o nacer,    
                e a que horas e momentos       
                assi há de acontecer.    
                              
                E assi as religiosas           505
                naceram pera ser freiras            
                e vós pera regateiras    
                outras pera ser viçosas
                e outras pera canseiras.              
                              
Marta   E vós mano frei trogalho              510
                em que perneta nacestes          
                que màora cá viestes? 
                Dizei padre frei chocalho            
                tudo vós isso aprendestes.       
                              
                Cebolinho e espinafre  515
                já vo-la barba nace        
                ora ouvide-lhe o sermão            
                e tangede-lhe o atabaque         
                nam caia ponde-lhe a mão.       
                              
                O que as pranetas fazem            520
                é porque nós o causamos          
                e se fortunas nos trazem           
                é porque nós as buscamos        
                que os erros de nós nacem. "

É Frei Paço quem encerra a peça com esse discurso em tom moralizante como é toda a obra: 

Frei Paço             Agravos que nam tem cura       
                procurai de os esquecer             
                que impossível é vencer             
                batalha contra ventura
                quem ventura nam tiver.            1050
                              
                Nam deve lembrar agora           
                agravos nem fantesias 
                senam muitas alegrias 
                à rainha nossa senhora
                que viva infinitos dias.  1055
                              
                Cantemos uma cantiga
                ao mesmo ifante bento              
                e ao seu bento nacimento         
                por que a rainha nam diga         
                que somos homens de vento.  1060
  


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e-mail:  profgilmattos@hotmail.com

Um comentário:

  1. Professor,seu material é divino.Mas,tire-me somente uma dúvida,de fato as moças já poderiam escolher seus pretendentes naquele período?
    Pergunto,pois acredito mais no seu conhecimento literário do que no dos meus professores.
    Desde já,muito obrigada.

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